Tendências recentes no campo da responsabilidade civil no Brasil impõem novos desafios às coberturas do seguro de responsabilidade civil de diretores e administradores (“Seguro RC D&O”). Tal fato é evidenciado ao menos em duas áreas principais: Tributário e Societário.
Na área tributária, os governos federal e estadual aprimoraram os mecanismos de questionamento das decisões do administrador, a fim de, digamos, aumentar o interesse deste em contribuir ao erário através das empresas que administram. A desconsideração de operações complexas sob alegadas tentativas de evasão, juntamente com sanções pessoais, têm sido usadas como método de cobrança de impostos.
Dois grupos principais de eventos explicitam essa realidade.
A Receita Federal do Brasil (“RFB”) promulgou normas interpretativas e processuais com foco na responsabilidade pessoal do administrador. Enquanto a IN RFB 1.862/18 torna a fiscalização tributária mais flexível ao fornecer aos agentes fiscais novas “ferramentas de redirecionamento” de empresas para pessoas, o parecer normativo 4/18 amplia o conceito de responsabilidade solidária entre administrador e empresa, derivada de “interesse comum” na operação da sociedade. Sem mudar a lei, a RFB aumentou exponencialmente seu próprio poder de fogo.
Na mesma direção, um eloquente caso de empresários presos por dívida tributária estadual atingiu o STF (HC 399.109/SC). Desesperado pelas restrições orçamentárias, Estado do Sul do Brasil impulsionou sua arrecadação de impostos recorrendo à força policial. Enquanto a empresa foi cobrada por uma dívida fiscal de ICMS, seus administradores foram acusados do crime de apropriação indébita. Não conseguindo apresentar uma defesa adequada, eles foram presos. O caso mobilizou a advocacia brasileira e levou importantes juristas e advogados tributaristas a atuarem perante a Suprema Corte por meio de serviços jurídicospro bono.
Olhando para a área societária, as inovações mais relevantes estão relacionadas à “arbitragem coletiva” apresentada por investidores minoritários contra a Petrobras perante a Câmara de Arbitragem do Mercado (CAM) da B3. Embora as ações coletivas movidas por investidores estrangeiros, principalmente nos EUA, já fossem conhecidas – e precificadas pelas seguradoras que comercializam o Seguro RC D&O –, ainda não havia um caminho análogo na jurisdição brasileira.
Essa arbitragem inovadora pode se tornar a primeira ação coletiva do Brasil, com impacto significativo para a Petrobras, uma vez que os valores utilizados como referência pelos autores são aqueles que a companhia pagou nos EUA (parcialmente redirecionados ao Brasil) por meio de um acordo com o Departamento de Justiça (DoJ).
As coberturas do seguro RC D&O são projetadas para proteger os administradores da responsabilidade pessoal pelos atos de gestão. No entanto, no contexto do mercado de capitais, as apólices de seguros são adicionadas de coberturas à própria empresa, através da chamada “Cobertura Side-C” ou apenas “Cobertura C”. A Cobertura C brasileira já comercializada por seguradoras certamente não contou com impactos coletivos como os descritos acima.
Considerando esses cenários, é evidente que as coberturas tributária, criminal, de multas e cobertura C do seguro RC D&O brasileiro deverão ser revisadas durante o processo de subscrição das apólices. Tanto o segurado quanto a seguradora devem estar cientes das inovações mencionadas acima. O segurado, para ter certeza de que uma perda em tais áreas será coberta adequadamente e a seguradora, para monitorar e precificar com precisão os riscos que ela assume.
Muito trabalho à frente para advogados, corretores e consultores.